terça-feira, 22 de dezembro de 2009

JOÃO E ADELINA- CONTO




O tempo acaba o ano, o mês e a hora
A força, a arte, a manha, a
fortaleza:
O tempo acaba a fama e a riqueza
O tempo o mesmo tempo
de si chora:
O tempo busca e acaba onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza
Mas não pode acabar minha tristeza
Enquanto não fizerdes vós,
Senhora.”
— Luís de Camões


Conheci Adelina beirando os oitenta anos e os olhos azuis eram duas pedrinhas embaçadas pela catarata. Os cabelos longos  perdiam-se numa extensa trança rala que descia, aonde terminava o lenço sobre a cabeça. Adelina, já curvada pelo peso dos anos, quase não sorria: era só uma velhinha. Para nós, os outros, ela precisava apenas de uma cama encostada na parede onde prendesse as fotos em marrom e bege. Fotos com estórias cheias de risos e lágrimas. 

A estória de Adelina nascia de um grande mosaico colorido que fui formando ao longo dos anos. Isto não é conversa pra criança, era o que eu ouvia enquanto a porta ia avançando contra o meu nariz.

 Dele tenho apenas o nome: João Ataíde era apenas um nome perdido nas bocas das tias. A foto pregada na parede da cama mostrava um homem, de média estatura, segurando um livro grosso com papéis saindo pelas páginas. A fotografia retratava um professor de escola primária do norte de Portugal. 

Eu olhava do outro lado da cama o homem incomodado sob a luz do sol. Minha avó Magnólia dizia que o pai atravessara o oceano em busca de melhores dias em terras brasileiras, encontrara nas dunas de areia do Espírito Santo a brasileira de olhos azuis.

 Os fatos que conheci ,depois vieram embaralhados. Sei que João e Adelina tiveram quatro filhos e que a moça da praia não fora o modelo de mãe e esposa que ele sonhara. Os portugueses que aqui aportaram, no fim do século XIX, eram dotados de tino comercial . Todos os Manuéis e Antônios de minha infância possuíam prósperas quitandas ou padarias. João Ataíde era um homem voltado para os livros; varava as madrugadas sob luz da lamparina; lia e anotava incessantemente. A esposa não passara das carteiras do grupo escolar e não se seduzia por livros com estórias transbordando dentro. Assim foi formando-se, pela erosão dos dias, um imenso buraco entre os dois. De um lado Adelina e seu cesto de peixes, do outro João e os poemas dos livros. Hoje, entendo porque as mulheres da família apontavam Adelina como o avesso do pano. Todas do álbum de fotografia tiveram muitos filhos e enfrentaram altivas os problemas, que entram pela porta com a filharada e pouco dinheiro. Todas permaneceram de pé, até o último ato.

Um dia, a moça da praia olhou o professor do outro lado da sala. Viu apenas um terno puído com um homem franzino. O som lusitano da voz já não lhe era canção ao vento. Sonhara com um português comerciante e uma mesa farta. Cortinas que voassem em rendas pela janela e mais que peixe miúdo e guandu sobre a mesa. Distribuiu os filhos entre os vizinhos, prendeu os cabelos numa trança bonita e bateu a porta. Neste ponto perdemos João Ataíde. Nunca perguntei às tias o que ele fez da vida. Voltou para o Porto? Chorou as tardes na praia? Continuou lendo Camões sob a luz da lamparina? Na verdade, perdemos João e Adelina. Ela só apareceu diante dos filhos muitos anos depois do fim da Segunda Guerra. Um dia Magnólia, a filha, abriu a porta da casa e lá estava um cesto vazio. Em pé, ao lado do cesto: uma senhora de olhos azuis.

Quando conheci Adelina, beirando os oitenta anos, já se chamava Dindinha, usava xale e arrastava um chinelo grande. Dizia meu nome com muitos “is” no meio e falava que eu devia ser professora. Ensinar a ler , dizia, é coisa de gente abençoada, gente de alma boa.

Nós olhávamos juntas o jovem avô da fotografia. Acho que ela pensava que aquele imenso buraco na sala poderia nunca ter crescido. Começamos a aprender pela dor e pelo que perdemos. O amor de João e Adelina não morreu, mudou-se para algum lugar neste universo imenso. Acredito, procurando na vastidão do céu pontilhado de estrelas, que um dia ela vai encontrá-lo no pátio da escola e estender-lhe um velho poema português. O rapaz ficará comovido com o interesse da jovem por literatura lusa e trocarão idéias afins. Aprendemos também pelo riso que vem junto com o que reconstruímos.

L.A
9ª Antologia dos AnJos de Prata- Contos e Crônicas, Editora All Print

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

VERDE CAMPUS



Luiz Martins da Silva

Luz dourada sobre escadarias

Na tarde olímpica do quase-silêncio.

Todos se foram, vida nova,

De férias ou de novas esperanças.

Contemplo a imensidão verde-esmeralda

E os buquês das florações em aquarela.

Por instantes, burburinhos soltos pelo vento,

Eu os quase ouço no sobrevoo dos alaridos.

Os degraus, quantos passos neles impressos!

A caminho do futuro, as apressadas gerações.

Estranha visão universitária, solidão incômoda.

Mas, daqui a pouco, estouros de novas manadas.

Percorro as repisadas passarelas,

Agora toscas, de raízes em erupções.

Ainda há algo de juvenil nas recentes podas,

Refreios aos impulsos dos troncos nos jardins.

Doce melancolia de sucessivas estações

Cada qual com o advento de brotos estudantis.

Traz esta brisa um torvelinho de matérias desfolhadas.

Ou seriam da última formatura o eco de tantos aplausos?

sábado, 12 de dezembro de 2009

Um Sopro de Quintana


"No fim tu hás de ver que as coisas
mais leves são as únicas que o vento
não conseguiu levar:
um estribilho antigo,
um carinho no momento preciso,
o folhear de um livro de poemas,
o cheiro que tinha um dia
o próprio vento"

(Mário Quintana)


Gentilmente enviado por Eduardo Poisl

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