domingo, 29 de abril de 2012

PAISAGEM DE RIO- CONTO






 Quando aproximava-se a estação de chuvas, as mulheres mantinham por   toda  noite o lampião aceso sobre a mesa e os ouvidos alerta  aos ruídos   externos. Das casas que costeavam as margens a maioria não resistia além   dos primeiros ventos.  Mulheres  e crianças barreiravam-se em pequenos   grupos.
    
Constância abriu a porta  da  cozinha e os recebeu. Os meninos tinham os   olhos atentos e lama nos pés. Os cabelos ralos cheiravam à fumaça e   ainda que aquela fosse a única casa de tijolo por perto, vigiavam.    
    
Abandonavam a casa ao primeiro sinal do dia, deixavam limpos os copos e   farelos de pães sobre a mesa. O cheiro doce de chá sustentava os quatros   marcos da casa. As mulheres murmuravam as orações matinais pela   sobrevivência. Saíam sem pressa, recebendo na porta um dia longo e úmido.   As noites seguiam-se iguais como os pingos que deslizavam a soleira da   casa. As famílias abrigavam-se, também, durante o dia. As mulheres   faziam pães e os arrumavam no forno lado a lado.
    
Os meninos passavam a maior parte do tempo espreitando pelas falhas da   madeira da janela, olhavam o rio. O rio era ruidoso e escuro e não lhes   pertencia mais. 
    
Se até para Noé quietou-se um dia o dilúvio, por que não para as   famílias que habitavam as margens do Rio Verde? Os meninos desceram as   escadas sem pressa , espalhando-se em bandos. 
    
Foram-se.
    
Constância lavou a casa e todas as roupas que nela existia. As aves   retornavam às árvores em respeitoso  silêncio  à fala do rio. Esticou   sobre a mesa a tela feita de resina e fibra. A moça olhou da janela:   sobre as águas descia um chinelo de criança. Desceu os dedos no pouco   trigo que restava na lata e o espalhou sobre a tela branca. Recolheu da   gaveta os pincéis  e tocou com os dedos  a tinta  sobre o pires . Constância acreditou no que dizia o ruído de fora.  O rio aos poucos   não dava mais medo. O tigre, agora mergulhado em  gato manso, se   preparava para dormir em cinzas. O tigre mergulhou de vez em águas.

Luísa Ataíde

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