domingo, 4 de janeiro de 2009

LIBERDADE CONDICIONAL - CONTO



                                                  Tente acompanhar agora o ruído do relógio, não há como evitar que os ponteiros caminhem. Aí vem o dia que, por se ter provado o fruto, a gente se descobre nu. Mas há os antes e foram estes:



Era o primeiro dia de aula. Além da festa que era calçar sapatos e meias, estava de laços nos cabelos e vestido novo. Não fosse a enorme pasta que carregava ninguém perceberia que ia à escola; o uniforme não fora ainda comprado.
 

Devia ser um dia predestinado a surpresas. Numa intimidade fraterna apresentaram-lhe objetos novos. Prestes a uma nova convivência não lhe prepararam para isto: tinha um nome estranho.

 Sempre atendera a menor junção das sílabas Li e La. Mas, súbito como se tivesse sido pega em falta grave, se foi apresentada. O nome seguia-se de outros, mas o primeiro a incomodava, como se quisessem lhe convencer que um cão miava. Cães e gatos são diferentes, pensou. Marília devia ser um nome para ser usado fora de casa, assim como sapatos e meias.
 

O que completava a desordem do dia era caminhar sem ninguém da família por perto e assim aproveitar passo a passo o caminho de volta.
 

Colocando na calçada a pasta para abrir o portão, percebeu duas amigas brincando de amarelinha. A maior parou com um dos pés no céu, admirada de ver a menina tão grande e linda, empinada como se não existisse o peso da pasta. A menina esqueceu-se de seu tamanho e beleza e sentou-se no chão. Falava sem pausas: dos livros, dos quadros, das salas, até... não, do nome não: era por enquanto um segredo seu.
 

As duas ouviam em silêncio, sem interromper, até porque não havia espaço.
Aí veio. A mãe chegou-se à janela e gritou:
 

- LILA! Vem já tirar esse vestido e lavar os copos.
 

Escureceu.
Foi como se todos os príncipes do mundo se perfilassem em sapos.
Levantou-se rápido e entrou. Numa obediência de sentenciado, tirou o vestido e os sapatos, até o laço dos cabelos desmanchou em silêncio.
Colocando o avental e os chinelos não se importou que estivessem sujos todos os copos da casa.
 

Uma coisa era inevitável: no dia seguinte, haveria aula.

LUISA ATAÍDE
( dedicado à Marília Campos)

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