Quando aproximava-se a estação de chuvas, as mulheres mantinham por toda noite o lampião aceso sobre a mesa e os ouvidos alerta aos ruídos externos. Das casas que costeavam as margens a maioria não resistia além dos primeiros ventos. Mulheres e crianças barreiravam-se em pequenos grupos.
Constância abriu a porta da cozinha e os recebeu. Os meninos tinham os olhos atentos e lama nos pés. Os cabelos ralos cheiravam à fumaça e ainda que aquela fosse a única casa de tijolo por perto, vigiavam.
Abandonavam a casa ao primeiro sinal do dia, deixavam limpos os copos e farelos de pães sobre a mesa. O cheiro doce de chá sustentava os quatros marcos da casa. As mulheres murmuravam as orações matinais pela sobrevivência. Saíam sem pressa, recebendo na porta um dia longo e úmido. As noites seguiam-se iguais como os pingos que deslizavam a soleira da casa. As famílias abrigavam-se, também, durante o dia. As mulheres faziam pães e os arrumavam no forno lado a lado.
Os meninos passavam a maior parte do tempo espreitando pelas falhas da madeira da janela, olhavam o rio. O rio era ruidoso e escuro e não lhes pertencia mais.
Se até para Noé quietou-se um dia o dilúvio, por que não para as famílias que habitavam as margens do Rio Verde? Os meninos desceram as escadas sem pressa , espalhando-se em bandos.
Foram-se.
Constância lavou a casa e todas as roupas que nela existia. As aves retornavam às árvores em respeitoso silêncio à fala do rio. Esticou sobre a mesa a tela feita de resina e fibra. A moça olhou da janela: sobre as águas descia um chinelo de criança. Desceu os dedos no pouco trigo que restava na lata e o espalhou sobre a tela branca. Recolheu da gaveta os pincéis e tocou com os dedos a tinta sobre o pires . Constância acreditou no que dizia o ruído de fora. O rio aos poucos não dava mais medo. O tigre, agora mergulhado em gato manso, se preparava para dormir em cinzas. O tigre mergulhou de vez em águas.
Luísa Ataíde